Enveredar em Bifurcação

(Fragmentos restantes de um monólogo a ser ouvido por alguém que pensa, e diz, ter preguiça em demasia)

Pers. I - Argonauta – (de algum lugar estranho...) - Palco
Pers. II - Irídio – (do mundo da Lua...) - Plateia

Ato I – (Único)

Cena I – (Adaptada para cena única)

Argonauta -
Nossas vidas encontraram uma bifurcação, mas há muitas coisas boas que guardo, já deixei de lado as coisas ruins, e uma amizade saudável seria, para mim, o melhor fruto. Espero que o destino lhe presenteie com muitas sinceridades.
Porto a preguiça também... me consterna a vida fútil e de vícios que corresponde percentual considerável de humanos sofredores com seus comportamentos aditivos. Mesmo pouco sabendo, já vale isso saber e o que não quero para mim. Há em ti alguém que me ajudou, sem saber e sem querer, a dar passos de gigante e por isso agradeço e o permito deleitar-se com sua preguiça avessa à minha.
Rompi amizade com pessoas que adoram uma maldadezinha alheia, te ofendi para ti e te defendi a eles, quero distância de toda essa falsidade e dissimulação.
Inapto a compreender o significado das palavras, não sabes tu o significado de construção. O que valorizo é a simplicidade, essa máscara que tu usaras fielmente acima de seus abstrusos de inferioridade.
Desejei vê-lo uma última vez, para poder olhar nos olhos e dizer as palavras mais sinceras, por querer sempre o melhor, então o que queria eu era que de ti me ficasse a melhor parte e deixar-te a melhor parte de mim, correspondente a um abraço, numa despedida honrada, de homem probo.
Não me arrependi, sei que não tive escolha, a nicotina não me faz parte, fumante era uma impossibilidade. Como não possuíste envergadura para entender-me, nada haveria que eu pudesse fazer. É... confiança se perde com facilidade, e certas poesias dizem muito sobre ti, espero que as consiga escutar, já que foste inábil a escutar-me quando eu as proferia.
Para mim a maior ofensa é que tentem me enganar... é descobrir mentiras. Desconheces a origem do amor, não podes ver além da nebulosa e sempre estás a fazer confusão, talvez esta seja uma de suas defesas mais acessíveis, pois nada do que eu dizia a ti esteve isento de seu desdém. Já que recusava-se a escutar-me, por ti minhas concepções e sentimentos mais nobres eram encarados como “fumaça”.
Desabou tudo no dia em que vi a validade da promessa que outrora me fizera com fervor... a pura hipocrisia. Talvez arriscar tivesse mesmo sido a única forma de resgatar a confiança, mas nem assim possível foi...
Esqueci-me até de sua idade, sua dissimulação jamais caberia nela, mas as aparências e o mostrar-se aos outros é parte tua e não minha. Nenhum homem antes pôde te ensinar a agir com caráter adequado em semelhante situação, ou se pôde, tu é que não podes aprender.
Se tu tivesses me escutado sem distorcer tudo o que eu dizia. Conhecimento se compartilha e, com isso, aumenta. Cada um absorve de sua maneira singular e, num vasto diálogo - juntos - uma realidade é constituída em comum, na qual ambos são responsáveis e cúmplices de uma construção que está sempre em transformação e cada vez mais consistente, que destoa para alcançar uma melhor sintonia... com maior força.
Tu podes não querer enxergar e mostrar-se inepto, sei que para ti é mais cômodo me denominar vilão e perverso.
Ao compreender um pouco do enredamento do ser humano podemos lidar melhor com as situações, mas a melhor coisa é, ao deixar as pessoas, permanecer desprovido de raiva ou mágoa delas, apenas constatando que não nos servem ao propósito e isentando-nos de responsabilidades pelo que não nos cabe. O que farão com o melhor de nós que deixarmos, ou como absorverão, é assunto delas e um círculo que para nós deve ser encarado como puramente hermético.
E se, em ambos os lados, foram risos as últimas palavras...
Com amor, para mim acabara inebriantemente.


[R. Tavares]